Por Karina Sousa
Festa. Ritual de alegria. Baile. Divertimento. Funçanata. Jogo. Folguedo. Pândega. Bródio. Farra. Brincadeira. Fuzarca. Patuscada. Dança. Fuzuê. Bagunça. Baderna. Pagode. Troça. Carnaval. Natureza que vaticina. A estrela de Belém guia os três reis-magos à manjedoura do menino Cristo, “em uma estrebaria iaiá aaaaaaaaaaa…” (Pena Branca e Xavantinho, 1996).
O bicho-galo com seus cocorocós canta a chegada do Mestre Jesus.
Em continuidade relacional-representativa, o bicho-homem, com seus prolongados “ais” canta sinalizando a vinda da folia. Assim começa a festa, que adora Santos Reis.
No altar, toda sorte de objetos: fósforo, imagens dos magos, santos e anjos, Sagrada Família, papa João Paulo II, crucifixo, camelo, carneiros, burro, galo, pomba, elefante e vaca. Pires e velas.
Movimento lúdico realizado entre miúdos elementos em composição: pessoas, objetos, bichos, plantas, culinária. Uma “multiplicidade assimétrica” (Amálio Pinheiro, 2013, p. 17), em composição de vozes, cores, corpos, natureza circundante, instrumentos, vestimentas etc. Profana em seu divertimento, sacro-religiosa em sua reza. Mito e crença. Ricas camadas da cultura.
Tenda de circo. Arco de bambu. Cadeira de plástico. Folia como espaço de encontro de saberes, mutável temporalmente, mas com um cerne que a caracteriza. Costumes em coexistência e contradição.
Grupo “itinerante e peditório, de tocadores e cantores, que empunhando seus instrumentos musicais, cantam versos em louvor ao Deus Menino” (Ulisses Passarelli, 2005).
Violão, viola e violino. Caixa, pandeiro, sanfona, reco-reco. “Cavaquim” e bandolim. Microfone e amplificador.
Pelo processo tradutório mútuo, ibérico-brasileiro, a folia deglutiu e foi deglutida pelas mais diversas culturas presentes aqui, tornando-se mestiça, com as adaptações aos elementos desses povos combinados. Cafuzo, cariboca, caboclo. Catequese ao revés. Preto, pardo, índio, branco. A folia se rearranja de acordo com o modo de vida local, variando o número de integrantes, as letras dos versos, as toadas e ritmos melódicos.
Bailado da memória oral e gestual, no vai e vem da festa, sensorial e estética, vozes humanas se misturam às dos pássaros, às dos instrumentos, às da cidade, numa verdadeira miscelânea polifônica bicho-homem-urbe.
Além da música, como toda boa patuscada, a Folia é de farta comida. Tacho de alumínio e cobre. Colher de pau. Arroz, feijão (tutu e tropeiro), frango com açafrão, “bolinhas de carne”, macarrão. Tomate, repolho e pimentão. Doces de banana, leite, casca de laranja, abóbora, figo e mamão.
Folia de termos. Multicolorido exuberante. Em microrrelações tece-se, em continuum, a trama histórica/religiosa do fazer-folia.
Referências
- Amálio Pinheiro. América Latina – barroco, cidade, jornal. São Paulo: Intermeios, 2013.
- Pena Branca e Xavantinho. “Reizado/Santos Reis”. O Melhor de Pena Branca e Xavantinho, Álbum. 1996.
- Ulisses Passareli. Folia & Foliões. Gazeta de São João del Rei, n. 383, 31 dez. 2005.