Este espaço deve ser visto como um arquipélago mestiço em contínua rotação, vaivém e ziguezague. Nasce dos desdobramentos e interações entre linguagens mapeadas pelo Grupo de Pesquisa “Barroco, oralidades e mestiçagem” da PUCSP. Associa-se com o blog VASINFIN – do Vallejo Sin Fronteras Instituto, de Lima-Peru. Prolonga e represa assim, nestes 100 anos do livro Trilce de César Vallejo (Trilce I contém num verso uma espécie de mini-manifesto estético: “seis de la tarde / DE LOS MÁS SOBERBIOS BEMOLES”) e dos 100 da chamada Semana de Arte Moderna (aquela do “bonde” oswaldiano, “O transatlântico mesclado”, que incrusta e vincula sílabas sonoro-solares, natureza, cultura urbana e ciência), o bolsão de confluências divergentes que constituíram as noções “vanguardistas” de então. Indo e vindo dos movimentos e memórias ameríndios, coloniais e migrante-imigrantes até o presente.
Daí uma expansão do conhecimento lúdico e poético, político e comunicativo, que atravessa os processos criativos das culturas entre o continente e o mundo. Parte da ideia e da prática de que a multiplicidade de formas e repertórios conexos, mutuamente inclusos, entre natureza, corpos e cultura, sob a espécie do lúdico, do rítmico e do erótico, nas culturas da América Latina e do Caribe, obriga a um conhecimento físico-afetivo dos objetos e da natureza, através de uma participação vivencial, relacional e material direta. Trata-se não apenas de “falar conteúdos” sobre a natureza, mas de “estar nela”, marchetado por ela. Todos os termos das tecnologias e ciências importadas devem ser traduzidos e readaptados para essa superabundância de ligações entre paisagens e linguagens. Enorme influxo de imprevisibilidade dentro do previsível.
A mestiçagem barroquizante é um processo de inclusões contínuas de coisa a coisa, entrelaçadas em filigrana, que põe à mostra a musculatura da composição e as nervuras dos materiais. Instauram-se saberes com múltiplos pontos de vista a partir de tauxias e bordaduras em camadas, nas línguas, nas artes e na criação cotidiana, desde os utensílios de cozinha até às grandes catedrais. Somente composições criativas realizadas a partir das transferências de nervuras podem vir a ser comunitárias.
A mestiçagem levada a cabo pelo blog Arquipélagos Mestiços congrega os procedimentos fundantes da tradução, da antropofagia cultural e de todos os nossos barroquismos. A atenção dos sentidos volta-se para as múltiplas pertenças do assimétrico e do miniatural dentro dos ambientes e das relações entre as vozes da natureza, dos corpos e da produção textual. Em vez das lógicas duais, opositivas, ou mesmo triádicas, um continuum multidimensional, uma dança do simultâneo e uma política da alegria.
Amálio Pinheiro
Junho de 2022